A palavra tantra (tibetano, gyu) significa "continuidade". Em um sentido literal, o termo se refere à estrutura da mente, a mente além de qualquer elaboração psicológica e em toda sua pureza. Essa ideia de continuidade ressalta que a natureza da mente não é alguma coisa a se obter, algo que não poderia existir agora e que no fim da prática viria a existir. Continuidade está presente na base (o que somos agora), no caminho e no resultado. Se estiver velado ou desvelado, será sempre sem descontinuidade, como a união de vacuidade e claridade.
Dentro da perspectiva dos sutras, a presença contínua dessa vacuidade-claridade nos vários estágios é expressa na seguinte maneira:
- no nível da base: as duas verdades (relativa e absoluta)
- no nível do caminho: as duas acumulações (mérito e sabedoria)
- no nível do resultado: os dois Corpos (Corpo Absoluto e Corpo Formal) Dentro da perspectiva dos tantras é dito que:
- no nível da base: corpo e mente
- no nível do caminho: as fases de criação e de completude
- no nível do resultado; os dois Corpos do Despertar (Corpo Absoluto e Corpo Formal)
Base, caminho e resultado são termos que tem a natureza da mente como ponto de referência. Quando a natureza da mente é impura (isto é, velada) ela é a base. O caminho indica purificação e o resultado a mente purificada (isto é, desvelada). Fora desse processo de purificação a essência da mente não muda. Ela é a mesma durante as três etapas. Assim é a continuidade ou "tantra" em seu sentido verdadeiro. Por conseguinte, a expressão verbal dessa continuidade, e os meios para percebê-la, também se chamam de "tantra". Por causa disso os textos Vajrayana são chamados de tantras. Tradicionalmente, é dito que há dois lados para os tantras:
- "tantras das palavras", que expressa a natureza imutável da mente
- "tantra real" ou supremo, que é essa natureza imutável
Buddhas são aqueles que perceberam o tantra real. Quando eles expressam, em um modo ou outro, os tantras das palavras, eles mostram para os seres comuns no samsara como a natureza da mente está coberta por ignorância e os vários kleshas (base), então eles dão os meios para purifica-la (caminho) e descrevem as qualidades de uma mente completamente purificada (resultado).
A Linguagem Codificada dos Tantras
Os tantras, como textos, são extremamente difíceis de entender porque as palavras que eles usam cobrem vários níveis de significados. Algumas vezes uma expressão literal pode se mostrar completamente errônea. É dito que os tantras tem um total de dez níveis de interpretação arranjados em dois grupos; as "seis possibilidades" e os "quatro modos".
As Seis Possibilidades:
- significado pedagógico
- significado definitivo
- com intenção
- sem intenção
- em uma linguagem conhecida
- em uma linguagem desconhecida
Vejamos o exemplo do significado "com intenção". Se encontrarmos uma frase em um tantra afirmando que "animais devem ser mortos", isso realmente significa "faça os kleshas desaparecerem".
Os Quatros Modos:
- significado comum
- significado secreto
- significado literal
- significado definitivo
"Significado comum" significa que o sentido da palavra usada é comum aos sutras e tantras. "Significado secreto" é aquilo que é aplicado à algumas noções inerentes nos canais e ventos sutis e como eles são usados, por exemplo, nas práticas das seis yogas de Naropa. "Significado definitivo" implica que a palavra usada deve ser entendida somente no contexto da verdade absoluta, mahamudra ou maha-ati.
A compreensão dos tantras requer estudá-los sob a orientação de um mestre capaz de decifrar seu significado. De outro modo, mesmo que captemos a significado aparente das palavras, nosso entendimento vai permanecer muito longe do verdadeiro significado. Mesmo um erudito tibetano, que não tenha feito nenhum estudo especial dos tantras, não pode entendê-los. Um khenpo ou um gueshe conhecedor de gramática e lógica, que teria estudado todos os mistérios nos sutras, a filosofia madhyamaka ou epistemologia do abhidharma, não estaria preparado para conhecer os tantras.
Por exemplo, o tantra que é considerado ser a raiz de todos é o Tantra de Declamando os Nomes de Manjushri (Manjushri Nama Samgiti Tantra).
A classificação deste texto pode ser feita em variados níveis. Há tratados que os explicam nos níveis de Kriya Tantra, outros no Charya Tantra, no Yoga Tantra, na fase de criação do Anuttarayoga Tantra e assim por diante. Sem um estudo específico dessas muitas facetas o texto permanecerá misterioso para nós.
Mais ainda, para verdadeiramente entender um tantra, uma mera abordagem intelectual não é suficiente. Uma boa prática pessoal Vajrayana e a bênção do Lama são necessárias.
Na tradição tibetana, o estudo dos tantras tem sido e permanece reservado a um pequeno número de indivíduos. Por exemplo, na tradição Guelugpa somente os melhores gueshes tem acesso a uma universidade tântrica onde eles podem estudar, mais particularmente, os tantras de Guyasamaja, Chakrasamvara e Yamantaka. Na tradição Kagyupa somente um pequeno número de Lamas ou Khenpos estudam diretamente os tantras, principalmente o Tantra de Hevajra ou o Zamo Nangdön (Profundo Significado Interno), um texto tântrico composto pelo 3º Karmapa.
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